sábado, 6 de julio de 2013

Las ollas abiertas de Latinoamérica


Sempre acreditei que as cozinhas rompem fronteiras. Um limite político entre dois países, regiões ou estados não é o suficiente para impor diferenças culturais entre os povos.Talvez mude o idioma ou o sotaque, mas os hábitos alimentares, dificilmente. Eles estão entre os traços culturais mais arraigados que temos e permeiam nosso cotidiano e nossa maneira de interpretar o meio ambiente em que vivemos.

Viajando pela America Latina, tive a grata experiência de conhecer a diversidade cultural deste imenso continente no que tange a gastronomia. Ainda me falta muita estrada pela frente para dar conta da imensidão de recursos alimentares e maneiras de preparar e servir os alimentos. Algo que pude perceber é que muitas vezes, as barreiras naturais e ecossistemas são  fatores muito impactantes, se não determinante naquilo que comemos e consideramos típico da nossa região.

Nascido paranaense, natural do Sul do Brasil, ao me mudar para a Argentina, aprendi que no país hermano também se toma chimarrão, se come churrasco e pinhão. A maneira de servir o mate muda, a erva é mais amarga e granulada, os cortes de carne são diferentes e o ritual de fazer o fogo também. Mas o valor que damos a  carne vacuna e ao ritual de assá-la nas brasas é algo que nós une, em um extenso Pampa que abarca grande parte do Sul do Brasil, da Argentina, Uruguai e Paraguai. Ao conhecer os Andes férteis, passando pela Bolivia, Peru e Ecuador, provei centenas de ajís, milhos e batatas dos mais diversos tamanhos, cores, texturas e sabores, e aprendi que cada um deles tem um uso e finalidade específica na gastronomia. E percebi que os indígenas Andinos, agricultores por excelência, tem esses ingredientes na base dos seus caldos e guisos.Isso me faz crer que não existe uma cozinha exclusiva Argentina, Brasileira ou Peruana, mas uma Cozinha Pampeana, Andina, Pantaneira, Amazônica, Patagônica entre tantas outras que podemos esmiuçar dentro de cada um destes amplos ecossistemas sulamericanos. Essas fronteiras naturais nos aproximam e, em outros casos nos distanciam.


No sul do Brasil, não tenho acesso fácil a produtos do meu próprio país, como um bom queijo mineiro, um peixe de água doce da bacia amazônica ou uma manteiga de garrafa do sertão nordestino. Talvez por imposições rígidas da vigilância sanitária, ou pelas longas distancias que nos separam, ou até a viabilidade ou interesse econômico em produzir e comercializar certos insumos em uma escala maior.
 Para os cozinheiros, que querem explorar cozinhas regionais muitas vezes o desafio é grande. Tome-se como exemplo Alex Atala – dispensa apresentações – que faz expedições na Amazônia em busca de novas e exóticas raízes, frutas, flores e sementes. Como ele mesmo comentou, muitas vezes é mais caro o custo de trazer a mercadoria do que o produto em si.
 Outra questão que muitos cozinheiros tem se preocupado é a sustentabilidade dos agricultores e pequenos produtores que fornecem os insumos para os restaurantes. Seria mais fácil usar alimentos produzidos em larga escala, mas que muitas vezes são tão processados que terminam com sabores homogeneizados. O Chef de cozinha Thiago Castanho, natural de Belém do Pará, foi buscar na Ilha do Combú, em uma área de proteção ambiental, a matéria prima para a produção das suas sobremesas. O chocolate usado provém de plantações de cacau da Ilha é a produção é 100% artesanal. O sabor? Indiscutível. Muito mais gostoso que qualquer barra de chocolate industrializada. E combinado com cupuaçu em diferentes texturas, Thiago logra uma sobremesa deliciosa.



Por falar em artenasal, o trabalho de cozinheiros-artesões também tornam a experiência gastronomica mais valiosa. O chef Fernando Rivarola não compra suas carnes autóctones no mercado fracionadas e congeladas. Ele recebe os bichos inteiros e tem a árdua e minuciosa tarefa de desossá-los, porcioná-los e aproveitar o máximo de cada parte do animal para desenvolver um prato especifico. Nas suas leituras contemporâneas Fernando idealiza pratos como carpacio de llama, guiosa de jacaré e escabeche de lebre.
 Lhes pergunto, onde poderíamos provar essas iguarias, apresentadas de maneira tão delicada e saborosa? Seria possível desfrutar de um jantar unindo chefs tão engajados apresentando em um jantar uma degustação de pratos que melhor definem suas filosofias de trabalho?
       Sim, no El Baqueano Carnes Autóctonas. Esta é a essência do Projeto Cocina sin Fronteras, idealizado pelo Chef Fernando Rivarola e a Sommeliere Gabriela Lafuente, proprietários do restaurante.
 Participar deste evento, do qual tive o privilégio de ser convidado para a edição com Thiago Castanho, foi uma experiência única. Como poderia imaginar que provaria tantos e novos sabores amazônicos em uma esquina charmosa de San Telmo em Buenos Aires?
 Essa é a proposta louvável deste projeto. Somar a vocação de cozinheiro pesquisador do Chef Fernando Rivarola com a juventude e ousadia de Thiago Castanho, que trouxe, na mala de viagem, 5 quilos de Filhote em um longo voo com várias escalas desde Belém até Buenos Aires.



Dois cozinheiros, duas histórias de vida diferentes, duas memórias gustativas que se encontram e propõem a preparar – numa linguagem contemporânea – pratos com ingredientes da cozinha pampeira, andina, patagônica e amazônica em um único jantar.

O resultado disso tudo foi o memorável menu degustação com momentos marcantes, como o Jamón de Rio, feito a base de Pacú do rio Paraná, que passa por um processo de cura semelhante ao dos presuntos espanhóis; os langostinos da fria Puerto Madryn com uma salsa rosa desconstruída e a saborosa carne de ñandu perfumada com fumaça de madeira de piquillín, servida com doces cebolas caramelizadas, obras de Fernando. Já Thiago apresentou as possibilidades da pupunha, onde não só o palmito proveniente do tronco, mas também os frutos da palmeira são usados e desconstruídos no prato. O famoso Filhote, um dos maiores peixes da bacia amazônica, acompanhado de Tucupi – leite extraído da mandioca brava cujo sabor é tido como “umami” brasileiro – e jambu, planta amazônica cujo sabor quase alcalino surpreende.
Em um menu de 10 passos, os dois chefs conseguiram levar os comensais a uma viagem por ingredientes e sabores inéditos, contrastantes, em pratos marcados pela leveza, equilíbrio e esteticamente impecáveis.

Essa proposta de dialogar duas cozinhas tão distantes e distintas gera conhecimento para quem o produz, reforça laços de amizade entre os cozinheiros, e proporciona o deleite dos comensais.


Que as portas do El Baqueano continuem abertas para receber cozinheiros de outros lados.  Que “Las ollas abiertas de Latino America” continuem em pleno trabalho, e as chamas dos fogões não se apaguem nunca. 










Wagner Gabardo - Sommelier
Bloguero especializado en vinos y spirits y divulgador innato 

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